!!Meu ensaio sobre a cegueira, ou: “Em breve, em uma locadora perto da sua casa?”por Rod Castro!

2 de set. de 2008

No último domingo, assisti ao ótimo Canal Livre, da TV Bandeirantes – um dos poucos programas que assisto e que recomendo pela capacidade dos seus entrevistadores e pela escolha de seus entrevistados – que tinha como convidado o excelente diretor brasileiro Fernando Meirelles, que divulgava seu novo trabalho, a adaptação de “Ensaio Sobre a Cegueira” de José Saramago. Após a entrevista, um pensamento me fez refletir até algumas horas da madrugada: será que os amazonenses - me inclua – estão ficando cegos?

Sem me basear na metáfora do livro de Saramago, que na verdade mostra que nós, seres humanos, não enxergamos um palmo frente à cara no nosso dia-a-dia, porque não queremos ver a realidade que nos cerca, e por isso não passamos de verdadeiros animais – essa é a minha leitura da obra, ok?

Peguei o fio do pensamento desenvolvido pelo mestre português e parti para algo que remetesse a “cegueira” do dia-a-dia e que ao mesmo tempo falasse de algo que me preocupa: o extermínio, a olhos nus, de boa parte das locadoras de DVD de nossa cidade. Aqui, como no livro de Saramago, vamos um pouco para trás para identificarmos algo que nos faça refletir, e assim podermos voltar ao presente.

Antes...

Desde que o cinema é cinema, uma frase amarra a maioria de seus trailers de divulgação, sempre ao final do comercial: “Em breve em um cinema próximo de você”. O tempo passou e com a criação do vídeo cassete, em meados da década de setenta, ela seria adaptada para: “Em breve, em uma locadora perto da sua casa”.

Nesse exato momento, ambas afirmações fariam eco e moveriam milhões de pessoas mundo a fora a se dirigirem ao cinema ou locadora mais próximos de sua casa, e eram muitos. O poder dessa simples frase fez com que novos consumidores de cinema fossem formados. E principalmente: resultou em um saudável hábito de pessoas e mais pessoas assistirem a muitos filmes.

E acredite: formar novos consumidores de uma determinada arte é tão importante quanto manter aqueles existentes. Com o vídeo cassete, surgiu para o mundo a “popularização singular” do cinema. E assim, com um simples cadastro, você tinha em mãos centenas da fitas com o melhor que o cinema tinha a oferecer.

Tudo bem que um filme que passasse nos cinemas em 1983, como Blade Runner – o Caçador de Andróides, demoraria mais de 3 anos para ser apreciado novamente, quando lançado em locadoras. Mas nunca tinha se dado tanto crédito aos clássicos, já que os estúdios tinham centenas deles ainda, entre exibidos e não exibidos, no seu “portfólio”.

Graças às locadoras, crianças com mais de cinco anos e que tinham uma tia bacana, que bancava a conta no final do mês, podiam alugar os mais diversos filmes sem a preocupação até mesmo de devolvê-los. E outros tantos moleques, economizando o dinheiro do lanche da semana, podiam levar pra casa o mais novo lançamento que eles não puderam assistir nos cinemas, devido à censura.

Imagine quantos trintões, de hoje em dia, foram “vítimas” desse maravilhoso hábito? E quantos, ainda na década seguinte, se tornaram as novas vítimas? Melhor ainda: com o lançamento dos DVDs, nos anos 2000, uma nova porta, em vez de janela, se abria para os aficionados em cinema: todos os filmes dos mais diversos estúdios estavam a sua disposição e com som e imagem de qualidade – sem contar que eram e, são ainda, mais baratos que o preço praticado com as fitas nas décadas anteriores.

Hoje...

E o que a cegueira tem haver com tudo isso que estou falando? Muito. Pois sem que a maioria das pessoas percebesse, Manaus foi tomada por uma cegueira muito pior do que a branca, do livro de Saramago, estamos sendo vítimas da cegueira cultural. Explico:

Ao passear pela cidade, me faço todos os dias às mesmas perguntas: Quantas locadoras, “próximas da minha casa”, como se falava na chamada, fecharam as portas? Quantos empresários perderam anos de comércio? E o mais importante de tudo: quantos novos consumidores de cinema não serão formados ou terão a possibilidade de desenvolverem o hábito de ver filmes em suas casas – e por conseqüência, se tornarem cinéfilos?

Essa cegueira está se alastrando pela cidade e infelizmente não há nenhum rei com um olho sobrando para dar um grito de espanto frente a essa onda de deficiência visual. Pior, ao conversar com dezenas de proprietários de locadoras, ouço deles que o principal transmissor dessa doença cultural é a pirataria.

Francamente: nas décadas de oitenta não tínhamos fitas piratas? Você não copiava no segundo vídeo cassete de sua casa – com uma ligação simples de se fazer – os filmes que mais gostava? O problema dessa cegueira quanto ao que a causa é pior do que se fala: os grandes estúdios e as lojas de venda do produto DVD são os principais culpados.

Crime não é apenas copiar. Crime, maior em minha opinião, é vender um DVD a um determinado preço para um revendedor direto e vê-lo ter um valor bem maior na hora do consumo final.

Crime são os filmes chegarem para você que é um dono de locadora, com preços exorbitantes, por ser pessoa jurídica, quando dali a dois meses o mesmo filme estará 3 vezes mais barato em uma loja da cidade.

E sabe o que esses dois crimes culturais estão resultando? Em uma conta dificílima de ser paga: o extermínio de um dos maiores ícones de divulgação do cinema moderno.

O que me deixa triste é que as autoridades estão cegas, os consumidores querem o mais barato e não querem qualidade – e nesse ponto as palavras uma vez me confidenciadas pelo maior conhecedor de quadrinhos do Brasil, Sidney Gusman, martelam minha cabeça: “Gibi é supérfluo para um pai de família”, imagina um DVD?

Por isso ainda não sentimos os efeitos dessa doença agora, somente no futuro.

E nesse instante uma pergunta passa diante os meus olhos e ilumina a mente: “e se na minha casa a quantidade de DVDs que possuo não fosse a que é. Como eu iria passar para os meus filhos a necessidade de se bisbilhotar tantas opções antes de decidir o que ver?”. Pois isso sempre me motivou a ir dá um pulo na locadora.

Não sou rei. Nem sou o único a ter um olho nesse momento. Mas acho incrível como tantos que enxergam estão fechando os olhos.

Futuro...

Veremos.

Ah, está faltando uma palavra no título do texto, se você não enxergou, marque com o mouse e saiba qual é a desaparecida!

Um comentário:

Zaboobs e Saulicios disse...

Tenho que concordar e ainda dizer que as locadoras estão com os dias contados, desde que a internet ficou mais rápida e com a popularização dos programas baixadores, somente as pessoas sem acesso a internet é que continuam a alugar filmes. Já sei de pessoas que compram em vez de alugar, pq comprar fimes em dvd tá ficando barato R$19,90 e alugar ta ficando caro R$7,90 por 24hs. As locadoras já acabaram e nem mesmo as virtuais tem chance, a concorrência é desleal a pirataria por um lado, TV Digital por outro e nem quero me lembrar do pay per view. É a evolução.

Att
Zaboobs
http://cupopin.blogspot.com/